terça-feira, 30 de junho de 2009

Anoitecer

E o céu sentou,
pintou-se de dourado,
enquanto a noite,
na sua escuridão enigmática e profunda,
se aproximava.

Houve o cotejo.
Houve o enlace.
Houve um bailar que poucos olhos atentos puderam presenciar.

No fim caiu o dia.
E a lua, estrela da festa, subiu ao palco para se apresentar.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Devaneio de um divagador

Eu deixei voar.
Eu deixei-me voar.
E, de repente, naquele canto não havia mais nada.

Nonsense

- Mas você disse que não ia chover.
Eu não disse, apenas não vi nenhuma nuvem no céu.
- E de onde veio esta enorme massa cinzenta?
De dentro da sua cabeça.
- Está me falando que tudo isso é imaginação?
Sim. E digo mais: nem você é real.
- Então o que somos?
Partículas do pó do espaço.

domingo, 28 de junho de 2009

Olho Mágico



Pelo olho mágico eu vi um universo numa caixa de música.
Era tão pequeno que eu podia guardá-lo no bolso.
Por alguns segundos me senti Deus,
e flutuei.

Desprendi-me do finito.
Esqueci-me de qualquer mito,
pois achava que naquele momento o mito era eu.

Pela primeira vez eu não tive medo.
Livrei-me do desassossego.
E com meu raio aterrador,
mirei a rotina...

A campainha toca enquanto eu abro os olhos, devagar.
Será que foi só um sonho?


sábado, 27 de junho de 2009

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ao mito

Era o mito.
Condenado e aplaudido.
Muitas vezes incompreendido.
Tido como vencido,
mas não.
Seu legado persiste.
Seu timbre ainda sustenta as canções em um certo infinito.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O rei

Em silêncio, o rei levantou do trono. Desceu o pedestal, devagar. Não havia ninguém para aclamá-lo. Seu reino nem sequer existia, pois estava consumido pela peste. Lá, apenas o ar vicioso e lúgubre, que o convidava a todo momento para se juntar ao cadafalso.
Da janela mais alta viu que lá fora as bandeiras velhas e rasgadas não sopravam com o vento. O chão morto e rachado pedia pela água das nuvens, que muito embora sincero o pedido fosse, não se precipitavam por tal lugar. As árvores não tinham frutos, na verdade, não poderiam mais nem ser chamadas de árvores.

Cabisbaixo, e com um olhar perdido, o rei suspirou. Com alguns passos rápidos saltou a janela. Fechou os olhos. Quando abriu estava voando. Nas mãos tinha asas. Naquele momento ele aprendeu a rasgar o pretume. Surgiu o anil e a lágrima. Diz o fim da história que o verde brotou em seguida. No horizonte, as demais cores. Nenhum pote de ouro.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Norteio

O céu está escuro.
Mas toda nuvem é passageira, porque vai embora com o vento para enegrecer qualquer outro lugar.
Fica a lama da chuva.
Lama que vira barro.
Barro que vira trabalho.
Trabalho que faz o coração ficar forte.
Quem é forte, aponta o norte sem titubear...

terça-feira, 23 de junho de 2009

Tecelão de sonhos

O ponto, a linha e o tecelão de sonhos em mais um dia de trabalho.
Traça o traçado sem régua. Erra e volta.
Suspira.
Recomeça.
Passeia na peça que é a vida comum.
Desconcentra pelo barulho incessante das gaivotas em debandada.
E acorda, para mais uma vez dormir.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cheque-Mate

- Cheque!
-
A sala vazia ou o jogo?
- Cheque, só cheque. Pare de enrolar e mova sua peça!
- Eu não me importo com o tempo.
- Cara, é só uma partida de xadrez.
- Não é novamente a vida com seus encantos?
- São plásticos, não têm vida.
- Se eu porventura derrubar esse seu maligno cavalo, tenha consciência de que ele não levanta mais.

- Apenas faça!
- Não estou bem certo disso...
- Mate-o!
- Eu não quero!
- Mate-o! Mate-o! Defenda a sua honra!
- Que honra, meu cupincha?
- Jogue isso e acabe a história!
- E se eu simplesmente não quiser?
- Querer e poder não influenciam aqui.
- Quem disse que aqui você manda?

- E se não for, que diferença faz? Desiste de jogar?
- Nem de viver.
- Pelo menos o seu relógio está em contagem regressiva.
- E agora?
- Agora você perde.


Cheque-mate.


domingo, 21 de junho de 2009

Ensimesmado

Faça a dança do fogo.
E sopre para ver se espalha.
Devaste tudo e sorria seu riso amarelo e podre.

Eu sei qual é seu nome.
Sei que ninguém o pronuncia.
Mas eu não tenho medo.
Eu nunca tive medo.

Antes do sol surgir,
Observarei a chama causada.
E rompante, moverei minha capa,
para desaparecer no infinito.

Eu voltarei.
Eu sempre volto.
Acompanharei seu malogro antes do último toque do piano da sala negra e serena.

Só assim a paz.
Branca como a nuvem no céu inebriante.
Sossego que o mundo espera.
O mundo dos meus eus.

sábado, 20 de junho de 2009

As horas

Tic-tac.
Três minutos para eu ir embora.
Tic-tac.
O relógio mais uma vez inimigo.
Tic-tac.
Eu sem nenhum papel para pelo menos fingir fazer algo.
Tic-tac.
Dói nos nervos essa espera.
Tic-tac.
Será que os outros estão realmente normais ou apenas fingindo?
Tic-tac.
E agora tenho sede.
Tic-tac.
Levanto-me devagar para ir à jarra d'água, na esperança de ganhar qualquer segundo a mais.
Tic-tac.
Volto e ainda faltam dois minutos.
Tic-tac.
Enervo-me.
Tic-tac.
Olho para o teto, nunca tinha tinha reparado que ele era branco.
Tic-tac.
E o tempo não passa.
Tic-tac.

- Alguém por favor retire a bateria desse monstro de números!

A criação

Eu aprendi outrora que o sábio sabiá prefere as manhãs para entoar seu canto.
Isso, aposto eu, não surgiu por encanto.
Primeiro o vôo,
depois o pranto.
A melodia doce que se não reproduz em outro ponto.
Tão sublime que até o tempo pára para escutar.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A cura?

Pega a cadeira e senta. Escuta minha história sem glória alguma. Se antes contra a multidão eu nadava, hoje me aproximo dela, tornando-me o bestunto que combati outrora. Quem dera poder falar de vitórias, mas acumulo no peito uma série de malogros e revoluções perdidas. A flâmula apagou-se. E o deserto roubou a água doce que nunca mais bebi.
Se antes eu falava nunca, hoje não falo, só escuto. Acompanho o assobio perdido do vento, sem intento a perseguir.
Quero voltar a sentir o brio e o furor que me faziam sorrir. Digladiar sem o medo da morte. Perder-me nas lembranças dos eternos amanhãs que anoiteceram no meu último penar.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Agonia

- Me falta.

O quê?

- Me faz falta.

Por favor diga logo o quê!

- Me faz tanta falta.

Não quero mais saber.

- Me faz tanta falta o seu sorrir...


E a pessoa do espelho partiu, sem olhar para trás.
Nada mais se ouviu...

terça-feira, 16 de junho de 2009

Palhaço

Chega.
Hoje vou vestir a máscara da alegria e tornar alegre o dia de alguém que precise sustentar um sorriso para se superar.
Hoje só vai ter confete e piruetas no ar.
Doces caindo das nuvens de algodão doce.
E um gosto de sonho pairando no ambiente.
Atenção!
Eu vou realizar uma cambalhota no centro do palco.
E apagarei as luzes após os aplausos...

Mas amanhã, após o amarelo do sol arrebentar o azul do céu,
estarei de volta,
cantando meu cordel.
perto da rua sem fim,
esquina com o infinito.
Imprimindo com rock ou grito,
o dia que a chuva ousou não cair.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Saracoteio

Vamos acompanhar o homem de guitarra no show.
Vamos cantar e esquecer da vida a cada nota da pauta.
Brincar e rodar feito bússola sem norte.
Pode ser que venha a sorte.
E mesmo que não venha, não importa.
O momento, o fragmento de um momento.
Um sorriso eterno.
É o que busco e ponto.

O mundo e o coração...

Ontem me pediram um mundo. Em troca ofereci um coração. Meio amargo, é sabido. Empedernido, graças à falta de chuva e vento. Nunca mais vi orvalho na grama, nem o canto do sabiá que me ensinava a cantar pelas manhãs.
Quem dera aceitasse a minha oferta...
O outro dia seria euforia. Os sorrisos mais sinceros, da mais pura e fraterna alegria.
Quem dera não fosse sonho vestido de ilusão. Uma singela canção sem melodia.
Quem dera fosse magia.
Quem dera fosse magia...

sábado, 13 de junho de 2009

Lágrima

Eu lembro do dia que liguei para uma puta e ela me chamou de amor. Eu precisava daquilo. De modo que criei o hábito de combinar preços e horários, compulsivamente, só para no fim receber a tão calorosa palavra...
Era o combustível que eu necessitava.
O que me faltava era justamente o que me deixava em torpor.
Passei a ter a sensação de que era amado, sem ser.
A doce ilusão que vivemos constantemente, mas de forma melindrosa e sabida.
Nunca a vi.
Nunca pretendo vê-la.
Só a fala me basta e me consome.
Me distrai quando penso estar num poço vazio e frio.
E assim vou me perdendo.
Distanciando-me do calor da presença.
Apagando a chama com a chuva da nuvem de algodão,
que acreditara eu em sonhos ser comestível.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Luz

A última pessoa saiu sem bater a porta, mas tratou de apagar a luz.
Não houve estalar de dedos ou mágica que desse jeito.
Ele estava só, apesar da presença insinuante do futuro incerto.
Queria poder falar, mas era sabido que não teria uma alma viva (ou morta) que o ouvisse nessa hora.
Resta esperar o amanhecer profetizado nas cartas.
Resta esperar a lufada que empurre o barco para qualquer outro lugar...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Pecado

Eu sou o pecado.
A carne podre.
Miro, inconsequente, a próxima pedra.
E acerto.
Palmas.
Desconcertos.
Aquele violino velho desafinou de novo.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Antes

Os sentimentos do comum são incomuns demais até.
Sublimes que beiram o sempiterno.
Austero.
Pois tudo o que o tempo leva, o tempo toma.
E não traz mais...

Que a pedra ricocheteie na água
e não afunde.
Que dê a volta no mundo, antes que seja tarde...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Romance

Beijo a flor que o beija-flor não ousou encostar,
porque é minha.
Doce som ao luar,
que a lua assistiu desvanecer com o silêncio do olhar...
Menina...

domingo, 7 de junho de 2009

Pedinte

A minha casa é a cidade inteira, - falou o mendigo poeta.
O meu teto é o céu que se pinta, muitas vezes, de estrelas. Eu guardo um sonho em cada uma delas. As mais reluzentes são os grandes projetos. Eu espero, sinceramente, realizá-los algum dia.
O meu chão é a rua ao lado da sinfonia inconstante das buzinas dos carros. É o mesmo solo frio que apara os meus sentimentos na hora que o sono vem.
Acordo e nunca estou no mesmo lugar. Entretanto, o labirinto das avenidas não é mais mistério. É enigma para os demais, apenas.
As cicatrizes que carrego nas diversas partes do corpo são indeléveis. Principalmente as que trago no peito. Afinal, pele não é papel. Os traços não somem com borracha.
Escrevo com giz no concreto. Torço para o vento não levar o pó. Se for para levar algo, que me leve dessa vida medíocre e me mostre algo novo.
A moeda que me dão não serve mais.
A manhã, a tarde, a madrugada.
O silêncio.
Depois dos passos apressados, a calmaria.
A elucubração ferina.
A solidão.
Dor renitente que amortiza o coração.
Lamento cantado em tango que ninguém ouve.
Eu quero alguém que me chame para dançar...

sábado, 6 de junho de 2009

Sem título

Sinto o zéfiro.
Meu olhar embaça sem os óculos.
E o mundo turvo me incomoda.
Não vejo detalhes, nem cores.
Apenas quadros com pingos de chuva.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Prólogo

Só consegue escrever o que mata? Na carne, na unha escarnecida. A jocosidade sumiu nos labirintos do sorriso que não volta.
Diga algo engraçado e faça a platéia muda rir.
Os aplausos tratarão de vir logo em seguida.
Daí então você acorda.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Ao fim, com apreço

Cansei de acompanhar a areia da ampulheta.
Percebi que não posso controlar o tempo como eu imaginava.
Esta farsa me retirou alguns anos de vida,
trazendo a velhice inevitável.
Sonhei que podia ser eu o escolhido, o imbatível e o austero.
Pensei ser Deus,
mas errei e não nego.
O que tenho é só uma ampulheta velha e uma cadeira comida pelos cupins.
Há silêncio na sala.
Sempre houve.

Entregue ao nada, debato somente com meus pensamentos...

terça-feira, 2 de junho de 2009

Utopia

O alvorecer está sendo trabalhado com tanto esmero que demora.
Dizem certas línguas que ele virá brilhante, apontando a sua luz incandescente para os de péssimo coração.
Estes evaporarão num piscar de olhos. No outro piscar, uma terra nova.

Utopia.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Desventuras II

Me falta inspiração, irmão.

- Eu percebi. Por que não pára de escrever?

Escrever é minha vida, minha razão.

- E o que mais? Já viu o dia hoje?

Como dia? Está noite lá fora.

- Por isso não escreve mais. Seus olhos estão cobertos de pretume.

E o que isso afeta?

- O bom poeta precisa observar.

- Se mantêm os olhos fechados, o que enxerga?

Óbvio que é o nada.

- Viu, já deu ensejo à poesia...