Há dias olho o lugar que plantei aquela semente. Nada brota daquele chão. Às vezes, vejo apenas uma flor morta, ressequida, para lembrar que naquele ambiente já houve vida. Passeio mais um pouco e sinto o sorriso dos outros, empedernido como o tempo, pois há muito também não existe o cair da noite por aqui.
Volto, vislumbro meu quarto. Deito e me deixo sonhar. Acordo e não estou mais em casa. Pensando que se trata da continuidade do sonho, me perco, e não distingo se o que meus olhos vêem é real ou abstrato. Nada parece certo. Mas ao mesmo tempo me questiono se não parecera certo antes.
Do lado de fora, o céu vestido de laranja. E o sol, no horizonte que embeleza o quadro, desce lentamente, quase que pedindo aplausos. Onde havia plantado a semente, uma casa. Curioso, fui perscrutar aquilo, imaginando que tinham me vendido a semente errada.
Na entrada, encontro uma porta sem trinco. Empurro e me impressiono pelo fato de o ambiente interno não ter nenhum odor, apesar de as madeiras velhas, que formam a parede, darem ensejo a um pensamento contrário. Não existem móveis. Não existe nada. Apenas o silêncio. Lá fora já é noite.
Penso em sair para admirar as estrelas, quando escuto uma voz embargada dizer:
- Deixa o vento entrar.
Era uma senhora, sentada numa cadeira de balanço no canto da casa. Assustado por não ter notado sua presença antes, realizei o seu pedido com muita pressa, abrindo a janela incrustada que estava ao meu lado. Correu o vento. E com passos largos deixei a casa e nem sequer olhei para as estrelas. Tranquei-me em meu quarto. E o sono, mais uma vez, me levou.
Senti o ar penetrar pelo meu nariz e acordei, julgando estranho o sonho. Levantei-me e fui à varanda, como sempre fazia. Passei da porta e reparei, sem assombro, o branco que fez desaparecer toda a paisagem.
- Deixa o vento entrar, disse a mesma velha senhora, provavelmente sentada na mesma cadeira de balanço.
Procurando saber a origem da voz, olhei para os lados. Foi então que percebi que o mundo inteiro estava pintado. Sem ter outra opção, resolvi andar. Andei tanto que minhas pernas cansaram. Andei e não pareci sair do lugar. Desencorajado senti o calor da solidão. Sentei-me abruptamente, exausto. Ainda tive forças, entretanto, para perceber a presença de um objeto marrom, suspenso no ar. Julguei ser miragem, mas logo me convenci se tratar de uma janela.
- Deixa o vento entrar.
Sem pensar em que proporções aquele devaneio havia atingido, recobrei a força e marchei rumo ao meu intento, que poderia ser o último. A saída ou a entrada para um mundo mais louco. Ou a volta para o meu mundo são. Ou que pelo menos eu julgava são.
Abri a janela e senti o assopro tenaz, e, aparentemente, reprimido do vento. Quase um assobio. Notas tortas que não traziam nenhuma musicalidade. Do espanto ao pranto. O branco continuava a pintar o outro lado.
Alguém para sambar e afastar a melancolia. Alguma esperança. Ou pelo menos a terra batida e seca para observar enquanto passa o tempo. Quem sabe a semente esteja enraizando agora em qualquer lugar. De tanto esperá-la, me perdi. E não há vento que cure ou que traga a nau que se deixou cair no abismo. Estou entregue aos bichos invisíveis, sedentos de idéias. Obliterando a cada piscar. Unindo-me ao branco, para quem sabe tentar sorrir.