quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Proibir

- Pega a cadeira e senta agora!

O indivíduo, arrastando correntes mais pesadas que seu corpo, moveu-se, objetivando o banco de madeira, pequeno e frágil.

- Sente agora!
- Calma, meu senhor.
- Responda logo porque está aqui!
- Aparentemente, porque não consegui terminar uma poesia.
- Isso é crime grave, você sabe. Mas não a completou, não é?
- Não, senhor delegado, estava ainda em busca de inspiração.
- Então anote, escrivão. Tipificou-se o crime na forma tentada.
- Mas eu não tinha o interesse em distribuir.
- Não importa, fique calado!

Então o poeta foi recluso num ambiente opaco de tal forma que a criatividade não fluía. Sentia as idéias caírem, esparramando como água no chão. Ele não podia salvá-las, por isso assistia apenas elas escaparem pelo ralo.

Por todos os dias a primeira impressão do local persistiu. A insanidade dava um passo a cada volta do relógio. E o desejo era escrever uma única palavra, que não zelava enquanto a possuía. Liberdade. A janela torta, as grades tortas, o sol que lhe batia no cenho ao amanhecer e o mantinha com uma certa noção de tempo.

Certo entardecer, viu uma sombra no corredor. Articulou neurônios e pôs-se a pensar se aquele momento era o de seu ocaso. A execução por um processo que não sabia por onde andava. Sabia só que era realidade, pois era concreto que não estava sonhando. Sua elucubração foi cortada por um grito:

- Saia! - Vociferou um guarda qualquer.
- Está livre!

O guarda abriu o cadeado, soltou-lhe as algemas e entregou a pena que havia sido confiscada. Devolveu a folha de papel.

- Muito boa a sua poesia, caro colega.
- Obrigado, mas está incompleta.
- Está livre agora para fazê-la. Escrever não é mais crime.
- Faça melhor. Entregue para aquele delegado ordinário.
- Já morreu.
- Quanto tempo passei preso?
- O suficiente para ser esquecido. Pegue a porta e acabe o texto.

Sem nenhuma trouxa, o poeta cruzou a porta e não olhou para trás. Nem lembrava qual direção seguir, mas seus pés andaram para onde o seu nariz apontava. Uma dor no peito o martirizava por não ter contestado todo o ocorrido. Logo ele tão vibrante, tornara-se pueril.

Foi aí que vislumbrou o horizonte. Pensando na redenção, apressou-se para pegar o papel e a pena que estavam no bolso. Acabaria o texto e daria ensejo à uma nova fase. Tal pretensão não vingou, pois logo desapareceu a alegria e o enlevo se despedaçou. Deixou então o papel voar e a pena ser carregada pelo vento.

- Porcos malditos, não me devolveram a tinta!

4 comentários:

  1. Puxa, Márcio, texto inquisitivo!
    O homem inventa tantas coisas úteis e outras tantas inúteis, sem sentido, que de um forma ou de outra ele acaba sempre dando um jeitinho de anular sua própria forma de expressão. Já surgiram tantas barbaridades desse tipo, quantas mais ainda vão surgir? quantas ditaduras aindas vamos presenciar?
    Não sei a resposta, mas sei que é muito triste!

    Bom, de qualquer forma. seus textos, sempre maravilhosos, e sempre nos convidando a pensar!!!
    Grande beijo!

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  2. Isso mesmo.
    Inventa e reinventa.
    E nunca está satisfeito.
    Temos o desejo veemente de proibir algo.

    Sim, é triste. O meu desejo maior é que não houvesse mais injustiças. Mas injustiças sempre serão a parte podre do pão.

    Obrigado pelo comentário, viu?
    Um beijo!

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  3. fure o dedo! poetas escrevem com o sangue!

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  4. O sangue já está nas palavras escritas.
    Faltou o algo a mais.
    Peço que a próxima vez se identifique.
    Um abraço e obrigado.

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