sábado, 29 de agosto de 2009

Lorenzinni e a Semente do Devaneio

Há dias olho o lugar que plantei aquela semente. Nada brota daquele chão. Às vezes, vejo apenas uma flor morta, ressequida, para lembrar que naquele ambiente já houve vida. Passeio mais um pouco e sinto o sorriso dos outros, empedernido como o tempo, pois há muito também não existe o cair da noite por aqui.

Volto, vislumbro meu quarto. Deito e me deixo sonhar. Acordo e não estou mais em casa. Pensando que se trata da continuidade do sonho, me perco, e não distingo se o que meus olhos vêem é real ou abstrato. Nada parece certo. Mas ao mesmo tempo me questiono se não parecera certo antes.

Do lado de fora, o céu vestido de laranja. E o sol, no horizonte que embeleza o quadro, desce lentamente, quase que pedindo aplausos. Onde havia plantado a semente, uma casa. Curioso, fui perscrutar aquilo, imaginando que tinham me vendido a semente errada.

Na entrada, encontro uma porta sem trinco. Empurro e me impressiono pelo fato de o ambiente interno não ter nenhum odor, apesar de as madeiras velhas, que formam a parede, darem ensejo a um pensamento contrário. Não existem móveis. Não existe nada. Apenas o silêncio. Lá fora já é noite.

Penso em sair para admirar as estrelas, quando escuto uma voz embargada dizer:

- Deixa o vento entrar.

Era uma senhora, sentada numa cadeira de balanço no canto da casa. Assustado por não ter notado sua presença antes, realizei o seu pedido com muita pressa, abrindo a janela incrustada que estava ao meu lado. Correu o vento. E com passos largos deixei a casa e nem sequer olhei para as estrelas. Tranquei-me em meu quarto. E o sono, mais uma vez, me levou.

Senti o ar penetrar pelo meu nariz e acordei, julgando estranho o sonho. Levantei-me e fui à varanda, como sempre fazia. Passei da porta e reparei, sem assombro, o branco que fez desaparecer toda a paisagem.

- Deixa o vento entrar, disse a mesma velha senhora, provavelmente sentada na mesma cadeira de balanço.

Procurando saber a origem da voz, olhei para os lados. Foi então que percebi que o mundo inteiro estava pintado. Sem ter outra opção, resolvi andar. Andei tanto que minhas pernas cansaram. Andei e não pareci sair do lugar. Desencorajado senti o calor da solidão. Sentei-me abruptamente, exausto. Ainda tive forças, entretanto, para perceber a presença de um objeto marrom, suspenso no ar. Julguei ser miragem, mas logo me convenci se tratar de uma janela.

- Deixa o vento entrar.

Sem pensar em que proporções aquele devaneio havia atingido, recobrei a força e marchei rumo ao meu intento, que poderia ser o último. A saída ou a entrada para um mundo mais louco. Ou a volta para o meu mundo são. Ou que pelo menos eu julgava são.

Abri a janela e senti o assopro tenaz, e, aparentemente, reprimido do vento. Quase um assobio. Notas tortas que não traziam nenhuma musicalidade. Do espanto ao pranto. O branco continuava a pintar o outro lado.

Alguém para sambar e afastar a melancolia. Alguma esperança. Ou pelo menos a terra batida e seca para observar enquanto passa o tempo. Quem sabe a semente esteja enraizando agora em qualquer lugar. De tanto esperá-la, me perdi. E não há vento que cure ou que traga a nau que se deixou cair no abismo. Estou entregue aos bichos invisíveis, sedentos de idéias. Obliterando a cada piscar. Unindo-me ao branco, para quem sabe tentar sorrir.

9 comentários:

  1. Um devaneio extremamente interessante!

    "Deixa o vento entrar."

    Vários significados numa única frase...que seja o vento frio desse fim de inverno, que seja uma nova oportunidade, um novo caminho, um novo sonho.
    Que entre! Isso que importa!

    Muito bom mesmo.

    beijinhos
    =)

    ResponderExcluir
  2. A frase é sua.
    Mas não me processe em? Hehe.
    Um beijo, Yasmin! :)

    ResponderExcluir
  3. Ô, Marcin, tu já sabe o que teus textos representam para a minha pessoa, né?
    Por trás do que tu dizes, há sempre um significado tão amplo.
    Gosto tanto =)
    Faz-me pensar em muitas coisas!

    Você é uma pessoa fantástica, menino.

    Seu talentoso!!! ahauhaua

    beijão bem grande!!!!!!! A Lá adora muitão você!

    ResponderExcluir
  4. Laís! :)
    É amplo até para mim. Hehe.

    Você é uma pessoa especial. :)
    E tem mais talento!
    Só devia escrever com mais frequência no seu blog! Hehehe! :D

    Um beijão, em? :*

    ResponderExcluir
  5. Perfeito!
    Incrível a maneira que consegues trabalhar a imaginação do leitor, com as palavras, percebemos muitos sentidos... Adorei!!! Bjos

    ResponderExcluir
  6. Devemos usar mais as palavras do que preferir o silêncio.
    Elas têm o poder.
    :)
    Obrigado pelo comentário, Tati.
    Um beijo!

    ResponderExcluir
  7. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  8. "- Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes?
    Desatei o nó do seu eterno lenço dourado. Umedeci-lhe as têmporas. Dei-lhe água. E agora, não usava perguntar-lhe coisa alguma. Olhou-me gravemente e passou-me os bracinhos no pescoço. Sentia-lhe o coração bater de encontro ao meu, como o de um pássaro que morre atingido pela carabina.
    Ele me disse:
    - Estou contente de teres descoberto o defeito do maquinismo. Vais poder voltar para casa...
    - Como soubeste disso?
    Eu vinha justamente anunciar-lhe que, contra toda expectativa, havia realizado o conserto!
    Nada respondeu à minha pergunta, mas acrescentou:
    - Eu também volto hoje para casa...
    Depois, com melancolia, ele disse:
    - É bem mais longe... Bem mais difícil...
    Eu percebia claramente que algo de extraordinário se passava. Apertava-o nos braços como se fosse uma criancinha; mas tinha a impressão de que ele ia deslizando verticalmente no abismo, sem que eu nada pudesse fazer para detê-lo...
    Seu olhar estava sério, perdido ao longe:
    - Tenho o teu carneiro. E a caixa para o carneiro. E a mordaça...
    Ele sorriu com tristeza.
    Esperei muito tempo. Pareceu-me que ele ia se aquecendo de novo, pouco a pouco:
    - Meu querido, tu tivesse medo...
    É claro que tivera. Mas ele sorriu docemente.
    - Terei mais medo ainda esta noite...
    O sentimento do irreparável gelou-me de novo. E eu compreendi que não podia suportar a idéia de nunca mais escutar esse riso. Ele era para mim como uma fonte no deserto.
    - Meu bem, eu quero ainda escutar o teu riso...
    - Mas ele me disse:
    - Faz um ano esta noite. Minha estrela se achará justamente em cima do lugar onde caí o ano passado...
    - Meu bem, não será um sonho mau essa história de serpente, de encontro marcado, de estrela?
    Mas não respondeu a minha pergunta. E disse:
    - O que é importante, a gente não vê...
    - A gente não vê... "

    O trecho acima é retirado do livro "O Pequeno Príncipe", e ainda não sei por qual motivo, algo no seu texto me serviu de gancho para essa leitura. Talvez, aparentemente, o trecho citado, não tenha tanto em comum com seu texto, mas ao lê-lo, assim como a história, em geral do livro, me fez fazer vários questionamentos em relação à vida que levamos, e a perspectiva que temos dela, que muitas vezes é equivocada. Há muitas imposições, que de tão acostumados, já não mais sabemos se são certas ou não, apenas executamos sem questionar, é como se não pudéssemos ver o que está claramente visível!
    Bom, vou finalizar minha "tese" (pois está bem extenso para um comentário)com um trecho do seu texto que me chamou a atenção:

    "... A saída ou a entrada para um mundo mais louco. Ou a volta para o meu mundo são. Ou que pelo menos eu julgava são..."

    Fica o questionamento!

    Márcio, será que preciso dizer que seu texto está MA-RA-VI-LHO-SO?

    Enorme beijo!

    ResponderExcluir
  9. Poxa, Marília!
    Interessantissima a sua comparação.
    Primeiro porque estamos acostumados a ver o que nos põem para ver e, de uma maneira inexplicável, não conseguimos notar nada mais do que aquilo que haviam dito acerca da funcionalidade (ou a falta dela) daquele determinado objeto.
    Somos cerceados diariamente nos nossos pensamentos. Omitimos idéias e morremos à mingua, achando que ninguém vai valorizar nossas opiniões.
    Fugimos do esgar.
    Pois achamos que o esgar sempre nos aflige.
    Uma complexidade mesmo.

    Infelizmente, não tenho como poder responder o seu questionamento.
    Mas gostei do fato de o meu texto poder ter trazido tal pensamento.

    Um beijo, Marília!
    Obrigado!

    ResponderExcluir